sábado, 31 de dezembro de 2016

Pacifismo e suas contradições

Eu não chamo de violência quando é em autodefesa, eu chamo de inteligência.
Malcolm X

O pacifismo como muitos entendem não existe. Ou ao menos não existiu até hoje. É interessante observar como muitos líderes ditos pacifistas só ganharam suas causas através da violência de seus seguidores. E também figuras públicas que, por um lado, defendiam publicamente o pacifismo, por outro, contribuíram em guerras.

O mundial e eternamente famoso físico alemão Albert Einstein, após ir estudar na Universidade de Princeton nos EUA e após a ascensão do nazismo na Alemanha, decidiu permanecer nos EUA e não voltar mais à sua terra natal. Utilizou-se de sua fama para fazer muitas críticas ao nazismo e à guerra, o que lhe rendeu o título de pacifista. Foi ativista antirracista e membro da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), chegando a chamar o racismo de “a pior doença da América”. Porém, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, foi convencido por colegas de profissão da possibilidade de a Alemanha nazista construir e usar bombas atômicas, o que os fez escrever ao então presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, uma carta pedindo envolvimento do governo em pesquisas científicas relacionadas. Após o ataque japonês a Pearl Harbor em resposta às pressões políticas, comerciais e econômicas por parte dos EUA que impediam a expansão econômica e territorial japonesa e que visavam ao controle do leste asiático, o próprio “pacifista” acabou por aceitar o convite ao Projeto Manhattan de construção da bomba atômica. A bomba atômica acabou por ser usada, não contra a Alemanha para inibir um possível ataque nazista como se temia, mas contra o Japão para que este cedesse aos EUA os territórios conquistados no leste asiático. Anos mais tarde, o próprio Einstein acabou por admitir seu erro.

O caso de Madre Teresa de Calcutá é ainda mais complicado, pois ela não agiu contra nenhuma guerra ou ato de violência, nem fez uma manifestação pela paz. Mesmo assim, foi chamada de pacifista por seus gestos humanitários e de caridade e acabou ganhando um Prêmio Nobel da Paz por isso. Numa interpretação abusiva, alega-se que seus atos de caridade se opunham ao ódio. De fato, todo ato de caridade se opõe ao ódio devido à sua natureza operacional, mas nem todo ato de caridade é uma manifestação contra o ódio. Noutras palavras, Madre Teresa não tinha a intenção de agir contra a violência nem de demonstrar que era possível agir e alcançar objetivos sem o uso da violência. Pra piorar, ainda há as críticas de Christopher Hitchens, Michael Parenti, Aroup Chatterjee, Robin Fox e do Conselho Mundial Hindu. Segundo eles, a infraestrutura dos estabelecimentos utilizados para o cuidado de doentes era precária, Madre Teresa deixava de usar o dinheiro doado em melhorias nestes estabelecimentos para usá-los em missões em outros lugares, e sua “caridade” objetivava a conversão religiosa dos moribundos.

Nelson Mandela foi um pacifista que lutou contra o Apartheid na África do Sul, chegando a ser preso como traidor. Mais tarde, soube-se que a CIA estava envolvida na captura e prisão de Mandela, tendo empregado agentes para localizá-lo. Mandela também defendeu a igualdade aos portadores de HIV. Por outro lado, foi criticado por seu egocentrismo, inclinação ao poder, e por defender ditadores favoráveis ao seu governo. Foi corrupto; seus amigos de conduta suspeita enriqueceram rapidamente em seu governo. Apesar de lutar contra a segregação racial, omitiu-se diante das desigualdades sociais e econômicas. E, em 1998, ainda que com boas intenções, as tropas sul-africanas invadiram Lesoto.

Pastor protestante, Martin Luther King, Jr. foi um ativista negro norte-americano antirracista. Defendeu a resistência negra. Sua luta através da resistência foi tão eficaz que ele foi investigado até a sua morte pelo COINTELPRO, o extinto programa de contra-inteligência formado por agentes do FBI que praticava terrorismo de Estado e visava a combater grupos ativistas pacifistas através de táticas ilícitas e clandestinas, burlando a Justiça norte-americana, sob a alegação de tratar-se de problemas de segurança nacional. No caso de Martin Luther King, Jr., alegava possíveis ligações comunistas e supostas relações extra-conjugais. Chegou a enviar ao pastor uma carta junto com uma gravação em fita cassete de um grampo telefônico que provaria suas relações extra-conjugais; a carta chega ao ponto de recomendar suicídio a Martin Luther King, Jr. A tática do pastor, contudo, não era tão pacifista: ele acreditava, acertadamente, que, se os negros se unissem de forma organizada e pacífica, com cobertura da imprensa, esperando que a polícia iniciasse a violência, a resposta violenta das forças policiais definiriam uma opinião pública favorável ao cumprimento dos direitos civis. Noutras palavras, uma provocação silenciosa.

Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como Mahatma Gandhi, foi um advogado e monge indiano que lutou pela independência da Índia. Na década de 1920, a Índia ainda era colônia britânica e sofria com o aumento dos impostos ditado pela Inglaterra. Esta arrecadava todos os impostos sobre bebidas alcoólicas e, por lei, todas as salinas da Índia, que produziam o tempero básico de quase toda refeição, deveriam ser propriedade da Inglaterra. O sal não poderia ser produzido nem mesmo artesanalmente para uso pessoal. Gandhi criou o Satyagraha, uma forma não violenta de protesto baseada na desobediência civil, e, em 1930, utilizou-o na Marcha do Sal. Ele e outros milhares de indianos marcharam até o litoral pra colher água salgada em panelas, e deixaram-nas secando ao sol pra obter o sal. Milhares de indianos foram presos, inclusive o próprio Gandhi, mas a polícia britânica não conseguiu conter o movimento. Gandhi jejuou várias vezes, não só pra purificação, mas em protesto pela independência da Índia. Foi preso muitas outras vezes; uma dessas prisões se deu pelo simples medo de que Gandhi morresse em jejum. Numa época em que se pensava que mulheres não deveriam participar de manifestações políticas, Gandhi definiu como um dos pontos do Satyagraha a igualdade para as mulheres e incentivou-as a lutarem contra a importação de produtos têxteis britânicos produzindo as próprias vestimentas. Por outro lado, durante a Marcha do Sal, salinas foram saqueadas por indianos que se sentiram incentivados por Gandhi. Gandhi lutou pela independência da Índia, mas não aceitava a separação do Paquistão. Declarou que não apoiaria o Reino Unido na Segunda Guerra Mundial senão com a independência da Índia, donde se conclui que ele apoiaria a guerra com a independência da Índia. Chegou até a cogitar o fim do apelo à não violência, alegando que a “anarquia ordenada” ao redor dele era “pior do que a anarquia real”.

Conclusão e lições

Mais do que contradições sobre o pacifismo, estes casos nos deixam lições. As primeiras são sobre conceitos como caridade e violência. Vemos que estes conceitos são usados por cada grupo ou instituição conforme lhe convém. No caso de Madre Teresa, vemos como a Igreja é capaz de distorcer o conceito de caridade, chamando por este nome o auxílio condicional oferecido na esperança da conversão religiosa, que não faz mais do que aumentar o número de fiéis e, consequentemente, o poder da Igreja. E isto vale não só pra Igreja Católica (Vaticano), como pra muitas outras Igrejas ao redor do mundo, de diferentes religiões.

Também vemos como o termo violência é usado de forma diferente por grupos pacifistas e por Estados que lutam contra movimentos de resistência. Para aqueles, violência é simplesmente a agressão física, tal qual a violência policial. Alguns Estados ao redor do mundo, incluindo o Brasil, se baseiam em meras definições legais pra rejeitar o uso do termo violência em discursos ao se referir à repressão policial contra manifestações pacíficas. No caso do Brasil, o termo predileto dos policiais é força policial. Obviamente, o uso da palavra violência nunca esteve restrito ao conceito legal, muito menos ao de um punhado de países como o Brasil. Já pro Estado, violência pode significar saques, depredações, ocupações e até outras formas de resistência. Ocupações são chamadas de “invasões de propriedade”; no caso, propriedades do Estado, como escolas públicas e prédios de estatais. A resistência é chamada de desobediência civil, como se soasse pejorativo, pelo mesmo Estado que já prestigiou diversos líderes como Martin Luther King, Jr. e Mahatma Gandhi, que se basearam na desobediência civil pra lutar por direitos. Formas mais questionáveis de resistência, como saques e depredações, são usadas em contextos mais específicos, como lutas anti-protecionistas (quando manifestantes saqueiam e depredam bancos e grandes estabelecimentos protegidos pelo Estado justo em tempos de crise), construção de uma identidade nacional sem adesão popular (quando manifestantes depredam monumentos históricos que, na compreensão deles, não os representa nem os identifica, mas simboliza um Estado opressor), e como foi o caso dos saques na Marcha do Sal.

Einstein foi essencial na vitória dos EUA na Segunda Guerra Mundial, uma guerra considerada tecnológica. De um modo geral, a História mostra que a ciência e a tecnologia têm se tornado cada vez mais importantes nas guerras. Entra aí o conceito de inteligência de guerra. Os reis das antigas cidades-Estados gregas respeitavam seus geômetras pela utilidade bélica de suas invenções e, às vezes, até sequestravam geômetras de cidades inimigas. Na Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte investiu pesadamente em engenharia militar, chegando a fundar a Escola Politécnica da França (École Polytechnique). No caso da Segunda Guerra Mundial, já mencionamos o Projeto Manhattan, mas sabemos também das primeiras usinas nucleares construídas nessa época, nos EUA e na extinta URSS, um “efeito colateral” das pesquisas em busca das primeiras ogivas nucleares, além de muitas outras pesquisas feitas na época com metais radioativos. Até outras áreas do conhecimento foram exploradas: B. F. Skinner, psicólogo pesquisador reconhecido pelo seu trabalho sobre o behaviorismo, foi requisitado pela aeronáutica norte-americana para um projeto de mísseis guiados por pombos, tudo por causa de um trabalho seu sobre superstição que envolvia uma experiência com pombos; como psicólogo, Skinner deveria “adestrar” os pombos pra que estes aprendessem a reconhecer um alvo. Hoje muitos falam numa “Terceira Guerra Mundial” no meio virtual, ou seja, pela internet. Eis aí um resumo da linha do tempo da tecnologia de guerra.

Com Gandhi e Luther King, Jr., vemos como a resistência pacífica e a desobediência civil, que costumam ser interpretadas pela polícia como provocação, podem ser boas táticas. Para que funcionem, no entanto, é importante o apoio da imprensa local. Luther King, Jr. pôde contar com uma imprensa que mostrava uma polícia violenta em rede aberta de televisão, e Gandhi contou com jornais ingleses e indianos que fizeram o mesmo. Exemplos de manifestações pacíficas que não deram certo são as brasileiras mais recentes. Apesar de todo apoio da imprensa internacional, a imprensa local só tem menosprezado as diversas manifestações pelo país, defendendo uma polícia corrupta, comparando os manifestantes a vagabundos e bandidos, e invertendo as situações de violência entre policiais e manifestantes.

E o apoio da imprensa local é, na verdade, parte de uma tática mais geral, que busca a adesão popular. Luther King, Jr. tinha isso muito claro em mente. Sem a adesão popular, um movimento não tem força e ainda pode ser massacrado pelo Estado, que tende a alienar a população contra os movimentos sociais. Por isso, é preciso um trabalho de conscientização que neutralize as políticas alienatórias do Estado e aproxime a população dos movimentos sociais, ao menos ideologicamente. Nesta estratégia, os meios de comunicação em massa são essenciais. Se antes tínhamos quase exclusivamente a imprensa para este fim, hoje contamos com uma “internet de coisas” e redes sociais.

Vemos ainda como a importância que esses líderes tiveram perante seus seguidores dificultaram as reações do Estado. Apesar de o COINTELPRO acreditar piamente, na época, que Luther King, Jr. era comunista, possuir recursos pra matar alguém sem deixar pistas e até mesmo sugerir que o pastor se matasse, o próprio grupo não chegou a matar o pastor. A Inglaterra chegou a prender Gandhi uma vez enquanto este jejuava em protesto, simplesmente porque temia que Gandhi morresse em jejum. Havia, portanto, certa preocupação em evitar que estes líderes morressem durante suas lideranças. Isto se deve à força de um líder perante seus seguidores. A morte de líderes tão poderosos pode resultar numa revolta grande o bastante para um golpe popular. Gandhi era um líder religioso em meio a um povo hinduísta de fortes dogmas e históricas relações religiosas com seus antepassados. Se só com a Marcha do Sal alguns indianos já se sentiam incentivados por Gandhi a saquear as salinas sem qualquer repreensão de seus conterrâneos, certamente a morte de Gandhi acarretaria “dissensões dialéticas” e “injunções” do Satyagraha, como os indianos já costumam fazer com seus livros sagrados. Luther King, Jr. era pastor protestante numa época em que o protestantismo conquistava a população negra norte-americana ao oferecer a consolação divina às suas dores e humilhações de origem racista. A morte deste líder poderia provocar um martírio em massa por seus direitos e por uma justiça divina pelo pastor e contra o Estado.

E talvez o grande erro destes dois líderes tenha sido deixar de lutar em algum momento de suas vidas. Enfraqueceram no momento em que não eram mais do que líderes religiosos, em que não mais promoviam atos de resistência ou de desobediência civil. Não agindo mais como líderes políticos, puderam ser e foram finalmente assassinados, sem que a população se revoltasse pela morte deles. Não podemos saber ao certo quem os matou. Podem ter sido apenas rebeldes à causa, como mostram as “evidências”, mas também pode ter sido um assassinato planejado pelas autoridades contra as quais eles lutaram. Os assassinos, nessa situação, são apenas bodes expiatórios do Estado. O Rio de Janeiro, em particular, tem dois ótimos tipos de bodes expiatórios: polícia corrupta e facções criminosas.

Podemos ainda comparar estes casos com os de movimentos que defendiam a violência como forma de autodefesa, como o de Malcolm X, o do Partido dos Panteras Negras e do Partido dos Panteras Brancas. Com Malcolm X vemos novamente a força que a religiosidade tem em movimentos sociais. Malcolm ganhou voz e notoriedade enquanto sua luta antirracista esteve relacionada com uma religião (a Nação do Islã) e com a crença de que os brancos eram demônios. Malcolm X foi se conscientizando aos poucos do teor social e político do racismo. Quando, após uma viagem a Meca, ele adquiriu consciência política suficiente pra entender que a Nação do Islã era uma farsa e que o racismo era exclusivamente uma questão política, não religiosa, perdeu sua liderança e foi consequentemente assassinado, sem a oportunidade de desenvolver suas ideias. O Partido dos Panteras Negras, após a perseguição pelo FBI, passou a se focar em projetos sociais como nova estratégia; mesmo assim a perseguição prosseguiu até a dissolução do partido, com várias mortes nesse intervalo. O Partido dos Panteras Brancas teve fim semelhante. Ainda que a História nos mostre que muitas mudanças só se fazem através da violência, argumento principal dos militantes que defendem a violência como autodefesa, é importante ressaltar que tais exemplos históricos são de guerras entre poderosos, em que ambos os lados têm chances iguais de vitória.

Portanto, a violência só se mostra uma estratégia eficaz por um grupo quando este possui poder de destruição (material bélico) e inteligência suficientes pra contestar o governo opressor. Caso contrário, a melhor estratégia ainda é o pacifismo e resistência, com um trabalho, prévio ou concomitante, de conscientização política em busca da adesão popular, seja por meio da imprensa tradicional local, seja por outros meios de comunicação em massa, como a internet e as redes sociais.

Eu cometi um grande erro na minha vida — quando assinei a carta ao presidente Roosevelt recomendando a construção da bomba atômica; mas nesse tempo havia uma justificativa — o perigo de que os alemães a construíssem.
Einstein a Linus Pauling em 1954, um ano antes de seu falecimento.
Normalmente quando as pessoas estão tristes, elas não fazem nada. Apenas choram a respeito de sua condição. Mas quando ficam com raiva, elas provocam mudanças. Se você não cuidar, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo. Se você não está pronto para morrer por ela, coloque a palavra “liberdade” fora do seu vocabulário.
Malcolm X

sábado, 15 de outubro de 2016

A Abolição do Trabalho

de Bob Black

Título do original em inglês: The Abolition of Work
publicado originalmente em 1985, revisto em 1996

Tradução de Michele de Aguiar Vartuli
retirada do site Protopia, visitado em 30 de junho de 2016,
com correções e adaptações do blog

Not Copyrighted, Sem direitos autorais. Qualquer parte desta obra pode ser livremente reproduzida, traduzida ou adaptada, mesmo sem citação da fonte.

Ninguém jamais deveria trabalhar [work].

O trabalho é a fonte de quase todos os sofrimentos do mundo. Praticamente qualquer mal que se possa mencionar vem do trabalho ou de se viver num mundo projetado para o trabalho.

Isso não significa que precisamos parar de fazer coisas. Significa criar um novo estilo de vida baseado na brincadeira [play]; em outras palavras, uma revolução lúdica. Com “brincadeira”, quero dizer também festividade, criatividade, convívio, comensalidade e talvez até arte. Brincar é mais do que brincar como crianças, por mais que isso tenha seu valor. Eu clamo por uma aventura coletiva de alegria generalizada e exuberância livremente interdependente. Brincar não é algo passivo. Sem dúvida, precisamos de muito mais tempo do que temos agora para o ócio e a folga totais, independentemente de renda ou ocupação; mas, uma vez recuperados da exaustão causada pelo emprego, todos nós queremos agir.

A vida lúdica é totalmente incompatível com a realidade existente. Pior para a “realidade”, o buraco gravitacional que suga a vitalidade daquele pouco na vida que ainda a distingue da mera sobrevivência. Curiosamente — ou talvez não —, todas as velhas ideologias são conservadoras porque acreditam no trabalho. Algumas delas, como o marxismo e a maioria dos tipos de anarquismo, acreditam no trabalho ainda mais ferozmente porque acreditam em bem pouca coisa além dele.

Os liberais dizem que devemos acabar com a discriminação nos empregos. Eu digo que temos que acabar com os empregos. Os conservadores apoiam leis de direito ao trabalho. Seguindo o genro rebelde de Karl Marx, Paul Lafargue, eu apoio o direito à preguiça. Os esquerdistas são a favor do pleno emprego. Como os surrealistas — só que eu não estou brincando —, sou a favor do pleno desemprego. Os trotskistas fazem agitação em nome da revolução permanente. Eu faço agitação em nome do deleite permanente. Mas se todos os ideólogos (como de fato eles fazem) defendem o trabalho — e não apenas porque planejam fazer com que outros trabalhem por eles —, estranhamente eles relutam em dizer isso. Falam sem parar de salários, jornadas, condições de trabalho, exploração, produtividade, rentabilidade. Falam de tudo, menos do próprio trabalho. Esses especialistas, que se oferecem para pensar por nós, raramente divulgam suas conclusões sobre o trabalho, por mais que ele tenha relevância na vida de todos nós. Entre eles, esmiúçam os detalhes. Sindicatos e patrões concordam que devemos vender o auge de nossa vida em troca de sobrevivência, embora discordem quanto ao preço. Os marxistas acham que devemos ser comandados por burocratas. Os liberais acham que devemos ser comandados por homens de negócios. Às feministas não importa qual a forma de comando, contanto que as comandantes sejam mulheres. Está claro que esses traficantes de ideologias têm diferenças sérias sobre como dividir o espólio do poder. Também está claro que nenhum deles tem objeções ao poder em si, e todos querem nos manter trabalhando.

Você deve estar se perguntando se estou brincando ou falando sério. Estou brincando e falando sério. Ser lúdico não é ser ridículo. Brincadeiras não precisam ser frívolas, embora frivolidade não signifique trivialidade; muitas vezes, deveríamos levar frivolidade a sério. Eu gostaria que a vida fosse um jogo — mas um jogo de apostas elevadas. Eu quero jogar para valer.

A alternativa ao trabalho não é apenas inatividade. Ser lúdico não é estar quaalúdico.1 Por mais que eu valorize o prazer do torpor, ele nunca é mais recompensador do que quando pontua outros prazeres e passatempos. Tampouco estou promovendo a válvula de escape gerenciada e cronometrada chamada “lazer”, longe disso. O lazer é o não-trabalho em nome do trabalho. O lazer é o tempo gasto se recuperando do trabalho e na frenética, porém vã, tentativa de esquecer o trabalho. Muitas pessoas voltam tão esgotadas das férias que ficam ansiosas para voltar ao trabalho e poder descansar. A principal diferença entre o trabalho e o lazer é que trabalhando pelo menos você é pago por sua alienação e exasperação.

Não estou fazendo nenhum jogo retórico. Quando digo que quero abolir o trabalho, quero dizer exatamente isso — mas quero dar meu recado definindo termos de formas não-idiossincráticas. Minha definição resumida de trabalho é o trabalho forçado, ou seja, a produção compulsória. Ambos os elementos são essenciais. O trabalho é a produção garantida por meios econômicos ou políticos, pela recompensa ou pela punição (um tipo de recompensa que é apenas a punição por outros meios). Mas nem toda criação é trabalho. O trabalho jamais é um fim em si mesmo, ele é feito em prol de algum produto ou resultado que o trabalhador (ou, mais frequentemente, outra pessoa) obtém dele. É isso que o trabalho é, necessariamente. Defini-lo é desprezá-lo. Mas o trabalho, em geral, é até pior do que sua definição determina. A dinâmica da dominação intrínseca ao trabalho tende, com o tempo, a se tornar mais elaborada. Em sociedades avançadas, empesteadas pelo trabalho, aí incluídas todas as sociedades industriais, tanto as capitalistas como as “comunistas”, o trabalho invariavelmente adquire outros atributos que acentuam a sua perversão.

De maneira geral — e isso é até mais verdadeiro nos países “comunistas” do que nos capitalistas, já que naqueles o Estado é quase o único empregador e todos são empregados —, trabalho é emprego [employment], isto é, mão de obra assalariada, o que significa que você se vende a prestações. Portanto, 95% dos trabalhadores norte-americanos trabalham para alguém (ou [por/para] algo). Em Cuba, na China ou em qualquer outro modelo alternativo que se possa citar, a cifra correspondente beira os 100%. Somente os bastiões camponeses do Terceiro Mundo — México, Índia, Brasil, Turquia —, que vivem um clima constante de guerra iminente, abrigam temporariamente concentrações significativas de agricultores que perpetuam o acordo tradicional da maioria dos trabalhadores nos últimos milênios, o pagamento de impostos (= extorsão) ao Estado, ou de aluguel a latifundiários parasitas, para que eles os deixem em paz em outras questões. Até esse acordo perverso está começando a parecer mais interessante que aqueles que temos hoje no Primeiro Mundo. Todos os trabalhadores industriais e de escritório são empregados e submetidos a um tipo de vigilância que assegura a servilidade.

Mas o trabalho moderno tem implicações piores. As pessoas não só trabalham, elas têm “empregos” [“jobs”]. Uma pessoa desempenha uma única tarefa produtiva o tempo todo sob a ameaça de um “ou senão…” Mesmo quando a tarefa tem algo de intrinsecamente interessante (caso cada vez mais raro nos empregos), a monotonia de sua exclusividade obrigatória drena todo o potencial lúdico. Um “emprego” que poderia mobilizar a energia de algumas pessoas, por um tempo razoavelmente limitado e apenas por prazer, torna-se um fardo para aqueles que têm que fazê-lo 40 horas por semana, sem voz ativa sobre como ele deve ser feito, para enriquecer proprietários que não contribuem em nada para o projeto, e sem oportunidade de compartilhar tarefas ou dividir o trabalho entre aqueles que realmente precisam fazê-lo. Esse é o verdadeiro mundo do trabalho: um mundo de incompetência burocrática, de assédio sexual e discriminação, de chefes cabeças de bagre explorando e fazendo de bodes expiatórios seus subordinados, os quais — por qualquer critério racional ou técnico — deveriam estar dando ordens. Mas o capitalismo, na realidade, subordina a maximização racional da produtividade e do lucro às exigências do controle organizacional.

A degradação que a maioria dos trabalhadores sofrem no emprego é a soma de indignidades variadas, que pode ser denominada “disciplina”. Foucault faz parecer complexo esse fenômeno, mas ele é bastante simples. A disciplina consiste na totalidade dos controles totalitários no local de trabalho — vigilância, tarefas repetitivas, ritmo de trabalho imposto, cotas de produção, horário para entrar e para sair e por aí vai. A disciplina é o que a fábrica, o escritório e a loja têm em comum com a prisão, a escola e o hospital psiquiátrico. É algo historicamente original e horripilante. Estava além da capacidade de ditadores demoníacos de antigamente como Nero, Gêngis Khan e Ivã, o Terrível. Mesmo com todas as suas más intenções, eles não dispunham de mecanismos para controlar seus súditos tão completamente quanto os déspotas modernos. A disciplina é o modo de controle moderno, distintamente diabólico — é uma intrusão inovadora que precisa ser contida na primeira oportunidade.

Assim é o “trabalho”. A brincadeira é exatamente o oposto. A brincadeira é sempre voluntária. O que poderia ser uma brincadeira se torna trabalho quando é forçado. Isso é um axioma. Bernie de Koven definiu brincadeira como a “suspensão de consequências”. Isso é inaceitável se implica que a brincadeira é inconsequente. A questão não é que a brincadeira não têm consequências. Isso é desvalorizar a brincadeira. A questão é que as consequências, quando existem, são gratuitas. Brincar e dar são ações bem próximas. São duas facetas — comportamental e transacional — do mesmo impulso: o instinto lúdico. Elas têm o mesmo desprezo aristocrático por resultados. Aquele que brinca obtém algo da brincadeira, e é por isso que brinca. Mas a recompensa central é a experiência da atividade em si (seja ela qual for). Alguns estudiosos das brincadeiras, até atentos para outros aspectos, como Johan Huizinga (Homo Ludens), definem-nas como jogar, ou seguir regras. Eu respeito a erudição de Huizinga, mas rejeito enfaticamente essa limitação. Existem muitos bons jogos (xadrez, beisebol, Banco Imobiliário, bridge) que são regidos por regras, mas brincar é muito mais do que se divertir com jogos. A conversa, o sexo, a dança, as viagens — essas práticas não têm regras, mas definitivamente são brincadeiras. E pode-se brincar com as regras tão facilmente quanto qualquer outra coisa.

O trabalho ridiculariza a liberdade. A versão oficial é que todos temos direitos e vivemos numa democracia. Outros desafortunados que não são livres como nós têm que viver em Estados policiais. Tais vítimas obedecem a ordens, por mais arbitrárias que sejam, ou sofrem as consequências. As autoridades as mantêm sob vigilância regular. Burocratas do Estado controlam até os menores detalhes do dia a dia. Os funcionários que as oprimem respondem apenas a seus superiores públicos ou particulares. De qualquer forma, a discordância e a desobediência são punidas. Informantes relatam tudo regularmente às autoridades. Tudo isso deve ser muito ruim.

E é mesmo, embora não seja nada mais do que uma descrição do local de trabalho contemporâneo. Os liberais, conservadores e libertários que se lamentam pelo totalitarismo são fingidos e hipócritas. Há mais liberdade em qualquer ditadura moderadamente “desestalinizada” do que num local de trabalho americano normal. Num escritório ou numa fábrica, encontra-se o mesmo tipo de hierarquia e disciplina que existe numa prisão ou num mosteiro. De fato, como Foucault e outros demonstraram, prisões e fábricas foram criadas mais ou menos ao mesmo tempo, e seus operadores conscientemente tomaram emprestadas as técnicas de controle uns dos outros. Um trabalhador é um escravo em meio período. O chefe diz quando ele deve chegar, quando deve ir embora e o que deve fazer durante a jornada. Ele diz quanto trabalho alguém deve fazer, e com que rapidez. Tem liberdade para levar seu controle a extremos humilhantes, regulamentando, se assim desejar, o que alguém deve vestir ou com que frequência deve ir ao banheiro. Com poucas exceções, pode demitir alguém por qualquer motivo, ou sem motivo. Põe dedos-duros e supervisores para espionar as pessoas e acumula um dossiê para cada empregado. Retrucar é chamado de “insubordinação”, como se o trabalhador fosse uma criança malcriada, e não só leva à demissão da pessoa, como também impede que ela obtenha um seguro-desemprego. Sem necessariamente endossar a prática, vale ressaltar que crianças, em casa e na escola, recebem praticamente o mesmo tratamento, justificado, no caso delas, por sua suposta imaturidade. Que argumento usar no caso de seus pais e professores que trabalham?

O sistema de dominação humilhante que descrevi rege mais da metade das horas de vigília da maioria das mulheres e da grande maioria dos homens há décadas, durante a maior parte de sua vida. Para certos fins, não é muito enganador chamar nosso sistema de democracia, capitalismo ou — melhor ainda — industrialismo, mas seus verdadeiros nomes são fascismo de fábrica e oligarquia de escritório. Quem disser que essas pessoas são “livres” está mentindo ou é burro. Você é o que você faz. Se você faz um trabalho chato, idiota e monótono, as chances são de que você acabe se tornando chato, idiota e monótono. O trabalho é uma explicação muito melhor para a crescente cretinização que nos cerca do que até mesmo mecanismos claramente imbecilizadores como a televisão e a educação. Pessoas que são arregimentadas por toda a vida, entregues ao trabalho pela escola e delimitadas pela família no início e pelo asilo no fim, estão acostumadas à hierarquia e escravizadas psicologicamente. Sua aptidão para a autonomia está tão atrofiada que o medo da liberdade está entre suas poucas fobias embasadas racionalmente. O treinamento para a obediência no trabalho contamina as famílias que elas criam, gerando assim outras formas de reprodução do sistema, e contamina igualmente a política, a cultura e tudo o mais. Quando se drena a vitalidade das pessoas no trabalho, elas ficam predispostas a se submeter à hierarquia e à especialização em tudo. Estão acostumadas a isso.

Estamos tão próximos ao mundo do trabalho que não conseguimos ver o que ele faz conosco. Temos que confiar em quem o vê de fora, de outras épocas e de outras culturas, para entender quão extrema e patológica é a nossa situação atual. Houve uma época em nosso próprio passado em que a “ética do trabalho” teria sido incompreensível, e talvez Weber estivesse no rumo certo quando associou o aparecimento dessa ética a uma religião, o calvinismo, que, se tivesse surgido hoje e não há quatro séculos, teria sido imediata e adequadamente rotulada como seita. Seja como for, só precisamos usar a sabedoria da Antiguidade para por o trabalho em perspectiva. Os antigos viam o trabalho como ele é, e a visão deles prevaleceu apesar dos fanáticos calvinistas, até ser deposta pelo industrialismo — mas não antes de receber a aprovação de seus profetas.

Vamos fingir por um momento que o trabalho não transforma as pessoas em submissos estultificados. Vamos fingir, desafiando qualquer psicologia plausível e a ideologia de seus propagadores, que ele não tem efeito algum na formação do caráter. E vamos fingir que trabalho não é chato, cansativo e humilhante como todos de fato sabemos que é. Mesmo assim, o trabalho ainda seria um insulto a todas as aspirações humanistas e democráticas, apenas porque usurpa tanto de nosso tempo. Sócrates dizia que trabalhadores braçais são maus amigos e maus cidadãos porque não têm tempo de cumprir as responsabilidades da amizade e da cidadania. Ele tinha razão. Por causa do trabalho, não importa o que estejamos fazendo, estamos sempre olhando para o relógio. A única coisa “livre” no chamado tempo livre é que ele é livre de custos para o chefe. O tempo livre é dedicado principalmente a se preparar para o trabalho. Tempo livre é um eufemismo para o modo peculiar como a mão de obra, como fator de produção, não apenas se transporta sozinha, à sua própria custa, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, mas também assume primariamente a responsabilidade pela sua própria manutenção e conserto. O carvão e o aço não fazem isso. Tornos e máquinas de escrever não fazem isso. Não admira que Edward G. Robinson, num de seus filmes de gângster, tenha exclamado: “Trabalho é para otário!”

Tanto Platão como Xenofonte atribuem a Sócrates e, obviamente, compartilham com ele a consciência dos efeitos destrutivos do trabalho sobre o trabalhador, como cidadão e como ser humano. Heródoto identificou o desprezo pelo trabalho como um atributo dos gregos clássicos no auge de sua cultura. Para citar apenas um exemplo romano, Cícero disse que “quem troca sua força de trabalho por dinheiro se vende e se coloca na classe dos escravos”. Tal franqueza é rara hoje em dia, mas as sociedades primitivas contemporâneas que gostamos tanto de menosprezar forneceram porta-vozes que iluminaram antropólogos ocidentais. Os Kapauku de Irian Ocidental,2 de acordo com Posposil, têm uma noção de equilíbrio na vida e a seguem trabalhando apenas dia sim, dia não, sendo o dia de descanso “para recobrar energia e saúde perdidas”. Nossos ancestrais do século XVIII, já a meio caminho andado em direção ao dilema atual, ao menos tinham consciência do que nós esquecemos: o lado negativo da industrialização. Sua devoção religiosa à “Santa Segunda” — que estabeleceu, na prática, a jornada de cinco dias entre 150 e 200 anos antes de sua consagração legal — era o desespero dos primeiros proprietários de fábricas. Eles demoraram para se submeter à tirania da campainha, a precursora do relógio de ponto. De fato, durante uma ou duas gerações, foi necessário substituir homens adultos por mulheres, acostumadas à obediência, e crianças, que podiam ser moldadas para se adequar às necessidades industriais. Até os camponeses explorados do ancien régime conseguiam arrancar uma quantidade considerável de tempo do controle dos senhores feudais. De acordo com Lafargue, um quarto do calendário dos camponeses franceses era devotado a domingos e dias santos, e as cifras de Chayanov referentes a aldeias da Rússia Czarista — que não era nenhuma sociedade progressista — mostram igualmente que entre um quarto e um quinto dos dias dos camponeses era devotado ao descanso. Controlando em nome da produtividade, obviamente, ficamos muito atrás dessas sociedades retrógradas. Os Mujiques explorados se perguntariam por que ainda trabalhamos. É uma pergunta que também deveríamos nos fazer.

Para entender a enormidade da nossa deterioração, todavia, considere a condição humana mais primitiva, sem governo nem propriedade, quando vagávamos como caçadores-coletores. Hobbes supunha que a vida era, naquela época, suja, brutal e curta. Outros presumem que a vida era uma luta desesperada e incessante pela subsistência, uma guerra declarada contra uma natureza impiedosa, em que a morte e a calamidade esperavam os desafortunados ou todos os que não estivessem à altura do desafio da luta pela existência. Na verdade, tudo isso era uma projeção do medo do colapso da autoridade governamental em comunidades desacostumadas a existir sem ela, como a Inglaterra de Hobbes durante a Guerra Civil. Os compatriotas de Hobbes já haviam encontrado formas alternativas de sociedade, que ilustravam outros estilos de vida — na América do Norte, em particular —, mas elas já estavam longe demais da experiência deles para serem compreensíveis. (As camadas mais baixas, mais próximas da condição dos índios, as entendiam melhor e muitas vezes achavam atraentes. Durante todo o século XVIII, colonizadores ingleses desertaram para viver em tribos indígenas ou, quando capturados em guerra, recusavam-se a voltar para as colônias. Já os índios desertavam para ir viver em assentamentos dos brancos com a mesma frequência com que alemães ocidentais escalavam o muro de Berlim vindos do lado ocidental.) A versão da “sobrevivência dos mais aptos” — a de Thomas Huxley — do darwinismo descrevia melhor as condições econômicas da Inglaterra vitoriana do que a seleção natural, como o anarquista Kropotkin demonstrou em seu livro Apoio Mútuo (Kropotkin era um cientista — geógrafo — que havia tido uma oportunidade grande e involuntária de fazer um trabalho de campo ao ser exilado na Sibéria; ele sabia o que estava dizendo). Como na maior parte da teoria social e política, a história que Hobbes e seus sucessores contavam era, na verdade, uma autobiografia não reconhecida.

O antropólogo Marshall Sahlins, pesquisando dados sobre caçadores-coletores contemporâneos, desbancou o mito hobbesiano em um artigo intitulado “The Original Affluent Society” (“Idade da Pedra, Sociedade da Abundância”). Eles trabalham muito menos do que nós, e o trabalho deles é difícil de distinguir do que nós consideramos brincadeira. Sahlins concluiu que “caçadores e extrativistas trabalham menos do que nós e, em vez de ser uma atribulação contínua, a busca de alimento é intermitente, o lazer é abundante e há uma quantidade maior de sono diurno per capita por ano do que em qualquer outra condição de sociedade”. Eles trabalhavam em média quatro horas por dia, isso se estavam mesmo “trabalhando”. O “trabalho” deles, como nós o vemos, era especializado e exercitava suas capacidades físicas e intelectuais; o uso de mão de obra não-especializada em grande escala, como Sahlins diz, é impossível fora do industrialismo. Portanto, ele satisfazia a definição de brincadeira criada por Friedrich Schiller — como sendo a única ocasião em que o homem realiza sua completa humanidade pondo “em jogo” ambos os lados de sua natureza bilateral, pensar e sentir. Como ele disse: “O animal trabalha quando a privação é a motivação de sua atividade e brinca quando a plenitude de sua força é essa motivação, quando a vida superabundante é seu próprio estimulo à atividade”. (Uma versão moderna — e dubiamente desenvolvimentista — é a contraposição de Abraham Maslow entre motivação “por deficiência” e “por crescimento”.) A brincadeira e a liberdade são, em relação à produção, coextensivas. Até Marx, que figura (por mais que tenha boas intenções) no panteão produtivo, observou que “o reino da liberdade começa apenas quando o ponto em que o trabalho, sob a compulsão da necessidade e da utilidade externa, for ultrapassado”. Ele não chegou a ser capaz de identificar esta feliz circunstância como o que ela é, a abolição do trabalho — é um tanto anormal, afinal, ser a favor dos trabalhadores e contra o trabalho. Mas nós podemos fazê-lo.

A aspiração de regredir ou progredir para uma vida sem trabalho é evidente em qualquer história social ou cultural séria da Europa pré-industrial, entre elas England in Transition (Inglaterra em Transição, sem tradução para o português), de M. Dorothy George, e Cultura Popular na Idade Moderna, de Peter Burke. Pertinente, também, é o ensaio de Daniel Bell “O trabalho e Seus Descontentamentos”. Foi o primeiro texto, creio eu, a se referir à “revolta contra o trabalho” com todas as letras e que, se tivesse sido entendido, teria sido uma importante correção da complacência normalmente associada ao livro no qual se encontra, O Fim da Ideologia. Nem seus críticos, nem seus entusiastas notaram que a tese de Bell para o fim da ideologia não sinalizava o fim da turbulência social, mas o início de uma fase nova e não mapeada, não limitada e não formada pela ideologia. Foi Seymour Lipset (em O Homem Político), não Bell, quem anunciou, na mesma época, que os “problemas fundamentais da Revolução Industrial foram resolvidos”, apenas alguns anos antes de que os descontamentos pós ou meta-industriais dos estudantes universitários o levassem a trocar a Universidade da Califórnia em Berkeley pela relativa (e temporária) tranquilidade em Harvard.

Como Bell nota, mesmo com todo entusiasmo de Adam Smith pelo mercado e pela divisão de trabalho, ele mostra em A Riqueza das Nações que estava mais alerta para (e era mais honesto sobre) o lado espinhoso do trabalho do que Ayn Rand, os economistas de Chicago ou qualquer um dos imitadores baratos do próprio Smith na atualidade. Como ele observou: “O entendimento da maioria dos homens é formado necessariamente por seus empregos comuns. O homem que passa a vida desempenhando umas poucas operações simples […] não tem ocasião de exercer o seu entendimento. […] Em geral, ele se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível para uma criatura humana”. Aí, em poucas palavras, está a minha crítica ao trabalho. Bell, escrevendo em 1956, na Era de Ouro da imbecilidade de Eisenhower e da autoindulgência americana, identificou o desorganizado e inarticulável mal-estar da década de 70 e das seguintes, aquele que nenhuma tendência política é capaz de dominar, aquele identificado no relatório do Departamento Americano de Saúde, Educação e Bem-Estar Social, Work in America, aquele que não pode ser explorado e que, portanto, é ignorado. Esse problema é a revolta contra o trabalho. Ele não aparece nos textos de nenhum economista do laissez-faire — Milton Friedman, Murray Rothbard, Richard Posner — porque, nos termos deles, como se dizia em Perdidos no Espaço, “não tem registro”.

Se tais objeções, modeladas pelo amor à liberdade, não convencem humanistas de visão utilitária ou até mesmo paternalista, há outras que eles não podem ignorar. O trabalho faz mal à saúde, para tomar emprestado o título de um livro. De fato, trabalho é extermínio em massa ou genocídio. Direta ou indiretamente, o trabalho vai matar a maioria das pessoas que leem estas palavras. Entre 14 mil e 25 mil trabalhadores são mortos anualmente, neste país, no trabalho. Mais de 2 milhões ficam inválidos. Vinte a 25 milhões se ferem todo ano. E essas cifras se baseiam numa estimativa bastante conservadora do que constitui um acidente de trabalho. Portanto, ela não contabiliza o meio milhão de casos de doenças ocupacionais por ano. Eu consultei um texto médico sobre doenças ocupacionais que tinha 1.200 páginas. Ele mesmo mal arranhava a superfície. As estatísticas disponíveis contabilizam casos óbvios, como os 100 mil mineiros que contraem pneumoconiose, dos quais 4 mil morrem todo ano. O que as estatísticas não mostram é que dezenas de milhões de pessoas têm suas vidas encurtadas pelo trabalho — o que é a definição de homicídio, no fim das contas. Considere os médicos na casa dos 50 anos que se matam de trabalhar. Considere todos os outros workaholics.

Mesmo que você não morra ou fique aleijado enquanto trabalha, isso pode muito bem acontecer enquanto você vai para o trabalho, volta do trabalho, procura trabalho ou tenta esquecer o trabalho. A grande maioria das vítimas dos desastres de automóvel se acidenta enquanto cumpre uma das atividades impostas pelo trabalho, ou então é morta por alguém que desempenha uma delas. A essa contagem adicional de mortos devem ser somados as vítimas da poluição da indústria automobilística e do alcoolismo e da dependência de drogas induzidos pelo trabalho. Tanto o câncer como as doenças cardíacas são males modernos normalmente causados, direta ou indiretamente, pelo trabalho.

O trabalho, portanto, institucionaliza o homicídio como um meio de vida. Todos acham que os cambojanos eram loucos por se exterminarem, mas por acaso somos diferentes? O regime de Pol Pot pelo menos tinha uma visão, ainda que embaçada, de uma sociedade igualitária. Nós matamos pessoas às centenas de milhares (no mínimo) para vender Big Macs e Cadillacs aos sobreviventes. Nossas 40 ou 50 mil fatalidades anuais nas estradas são vítimas, não mártires. Elas morreram a troco de nada — ou melhor, morreram pelo trabalho. Mas não vale a pena morrer pelo trabalho.3

O controle da economia pelo Estado não é a solução. O trabalho, na melhor das hipóteses, é mais perigoso nos países socialistas do que aqui. Milhares de trabalhadores russos foram mortos ou feridos construindo o metrô de Moscou. Chernobyl e outros desastres nucleares acobertados até recentemente fazem Times Beach4 e Three Mile Island5 — mas não Bhopal6 — parecerem um treinamento antiaéreo numa escola primária. Por outro lado, a desregulamentação da economia, atualmente na moda, não vai ajudar e provavelmente vai atrapalhar. Do ponto de vista da saúde e da segurança, entre outros, o trabalho teve seu pior momento nos dias em que a economia se aproximava mais do laissez-faire. Historiadores como Eugene Genovese argumentavam de forma convincente que — como os defensores do escravagismo insistiam na Pré-Secessão — operários assalariados nos estados americanos do Norte e na Europa viviam pior do que os escravos nas fazendas do Sul. Nenhuma reconfiguração das relações com a entrada em cena de burocratas e homens de negócios parece fazer muita diferença no momento da produção. A implementação séria até padrões um tanto vagos, que a Administração Americana de Segurança e Saúde Ocupacionais teoricamente poderia por em vigor, provavelmente levaria a economia a um impasse. Os agentes da lei, aparentemente, têm consciência disso, já que nem tentam flagrar a maioria dos malfeitores.

O que eu disse até agora não deveria causar controvérsias. Muitos trabalhadores estão fartos do trabalho. Há índices altos e crescentes de faltas, rotatividade, furtos e sabotagens, greves anárquicas e corpo mole em geral no trabalho. Parece haver algum movimento rumo a uma consciente, e não apenas visceral, rejeição do trabalho. E, no entanto, a sensação que prevalece, universal entre chefes e seus agentes e também difundida entre os próprios trabalhadores, é que o trabalho é inevitável e necessário.

Eu discordo. Agora é possível abolir o trabalho e substituí-lo, nos casos em que ele tem finalidades úteis, por uma variedade de novos tipos de atividades livres. Abolir o trabalho requer atacá-lo em duas frentes, a quantitativa e a qualitativa. Por um lado, o lado quantitativo, precisamos cortar de forma maciça a quantidade de trabalho que está sendo feito. Atualmente, a maior parte do trabalho é inútil ou coisa pior, e deveríamos simplesmente acabar com ela. Por outro lado — e acho que essa é a parte crucial e a novidade revolucionária —, precisamos pegar o trabalho que permanece útil e transformá-lo em uma variedade de passatempos lúdicos e artesanais, indistinguíveis de outros passatempos prazerosos exceto pelo fato de que resultam em produtos finais úteis. Certamente isso não os deveria tornar menos atraentes. Aí, todas as barreiras artificiais do poder e da propriedade poderiam cair. A criação poderia se tornar recreação. E todos poderíamos parar de sentir medo uns dos outros.

Não estou sugerindo que a maior parte do trabalho possa ser salva dessa forma. Mas, também, a maior parte do trabalho nem vale o esforço. Somente uma pequena e cada vez menor fração do trabalho tem qualquer propósito útil, independentemente da defesa e da reprodução do sistema trabalhista e de seus apêndices políticos legais. Trinta anos atrás, Paul e Percival Goodman estimavam que apenas 5% do trabalho então realizado — presume-se que essa cifra, se estava certa, deva ser mais baixa agora — satisfaria nossas necessidades mínimas de alimentos, vestimenta e moradia. Era apenas uma estimativa ponderada, mas o argumento central é bem claro: direta ou indiretamente, a maior parte do trabalho atende aos propósitos improdutivos do comércio e do controle social. De cara, já podemos libertar dezenas de milhões de vendedores, soldados, gerentes, policiais, corretores de ações, sacerdotes, advogados, professores, senhorios, seguranças, publicitários e todos que trabalham para eles. Há um efeito bola de neve, já que, toda vez que se põe algum figurão para descansar, seus lacaios e subalternos também são libertados. Assim, a economia implode.

Quarenta por cento da força de trabalho é formada por trabalhadores de colarinho branco, a maioria dos quais tem alguns dos empregos mais tediosos e idiotas que já foram criados. Ramos inteiros, como o securitário, o bancário e o imobiliário, por exemplo, consistem em nada mais do que o gerenciamento da papelada inútil. Não é por acaso que o “setor terciário”, o de serviços, está crescendo, enquanto o “setor secundário” (a indústria) está estagnado, e o “setor primário” (a agricultura) quase desaparece. Como o trabalho só é necessário àqueles cujo poder ele garante, trabalhadores são transferidos de ocupações relativamente úteis para outras relativamente inúteis, como medida para garantir a ordem pública. Qualquer coisa é melhor do que nada. Por isso você não pode ir para casa só porque terminou o serviço mais cedo. Eles querem o seu tempo em medida suficiente para se apoderar de você, mesmo quando não têm necessidade da maior parte dele. Senão, por que a jornada semanal média não diminuiu mais do que alguns minutos nos últimos 60 anos?

A seguir, podemos passar o facão na produção propriamente dita. Chega de indústria bélica, energia nuclear, junk food, desodorante íntimo feminino — e, sobretudo, chega de indústria automotiva. Um Stanley Steamer ou um modelo T7 ocasionais são até aceitáveis, mas o autoerotismo do qual dependem pocilgas como Detroit e Los Angeles está fora de cogitação. De cara, sem nenhum esforço, virtualmente resolvemos a crise de energia, a crise ambiental e outros variados problemas sociais insolúveis.

Finalmente, precisamos acabar com aquela que é de longe a ocupação com mais funcionários, com a jornada mais longa, o salário mais baixo e algumas das tarefas mais tediosas que existem. Refiro-me às donas de casa que fazem o trabalho doméstico e criam filhos. Abolindo o trabalho assalariado e alcançando o pleno desemprego, sabotamos a divisão sexual do trabalho. O núcleo familiar que conhecemos é uma adaptação inevitável à divisão do trabalho imposta pelo trabalho assalariado moderno. Gostando ou não, do jeito que as coisas estiveram nos últimos 100 ou 200 anos, era racional, do ponto de vista econômico, que o homem sustentasse a família, que a mulher se matasse no fogão e no tanque e proporcionasse ao marido um porto seguro num mundo desalmado. Também fazia sentido que as crianças marchassem para os campos de concentração juvenis chamados “escolas”, sobretudo para saírem da barra da saia da mamãe — mas de forma que ainda fossem mantidas sob controle — e, de forma secundária, também para que adquirissem os hábitos de obediência e pontualidade tão necessários aos trabalhadores. Se quiser se livrar do patriarcado, livre-se do núcleo familiar, cujo “trabalho invisível”8 não-remunerado, como diz Ivan Illich, possibilita o sistema de trabalho que torna a família necessária. Ligadas a essa estratégia antinuclear estão a abolição da infância e o fechamento das escolas. Há mais estudantes em período integral do que trabalhadores em período integral neste país. Precisamos das crianças como professoras, não como alunas. Elas têm muito a contribuir para a revolução lúdica porque sabem brincar melhor do que os adultos. Adultos e crianças não são idênticos, mas vão se tornar iguais por meio da interdependência. Somente a brincadeira pode acabar com o conflito de gerações.

Eu ainda nem mencionei a possibilidade de diminuir bastante o pouco trabalho que resta automatizando-o e tornando-o cibernético. Todos os cientistas, engenheiros e técnicos libertados das preocupações com a pesquisa bélica e a obsolência programada vão se divertir pensando em meios para eliminar a fadiga, o tédio e o perigo de atividades como mineração. Sem dúvida, eles encontrarão outros projetos para ocupar seu tempo. Talvez montem um sistema mundial realmente inclusivo de comunicação multimídia ou fundem colônias espaciais. Talvez. Pessoalmente, não sou louco por bugigangas. Eu não gostaria de viver em um paraíso de botões. Não quero robôs escravos que façam tudo; quero eu mesmo fazer as coisas. Existe, penso eu, lugar para uma tecnologia que economize trabalho, mas um lugar modesto. Os antecedentes históricos e pré-históricos não são muito animadores. Quando a tecnologia produtiva passou da caça e do extrativismo para a agricultura e depois para a indústria, o trabalho aumentou, enquanto as habilidades e a autodeterminação diminuíram. A evolução ulterior do industrialismo acentuou o que Harry Braverman chamou de degradação do trabalho. Observadores inteligentes sempre tiveram consciência disso. John Stuart Mill escreveu que todas as invenções para poupar trabalho já criadas nunca pouparam um único momento de trabalho. Karl Marx escreveu que “seria possível escrever uma história das invenções, surgidas desde 1830, com a finalidade exclusiva de fornecer ao capital armas contra a revolta da classe trabalhadora”. Os tecnófilos entusiastas — Saint-Simon, Comte, Lênin, B. F. Skinner — sempre foram também autoritários desavergonhados, ou seja, tecnocratas. Deveríamos ser mais do que céticos em relação às promessas dos místicos do computador. Eles trabalham feitos burros de carga; provavelmente, se lhes dermos poder, trabalharemos como eles. Porém, se eles tiverem quaisquer contribuições particulares mais prontamente subordinadas aos propósitos humanos do que à corrida tecnológica, vamos ouvi-los.

O que eu realmente quero ver é o trabalho virar brincadeira. Um primeiro passo é descartar as noções de “emprego” [“job”] e “ocupação”. Até atividades que já têm algum conteúdo lúdico perdem a maior parte dele ao serem reduzidas a empregos que certas pessoas, e somente aquelas pessoas, são forçadas a fazer, excluindo todo o resto. Não é estranho que trabalhadores agrícolas labutem dolorosamente nos campos, enquanto seus patrões saem do ar-condicionado de seus escritórios todo fim de semana para fuçar nos jardins de suas casas? Num sistema de deleite permanente, vamos testemunhar uma Era de Ouro do diletantismo que vai por o Renascimento no chinelo. Não haverá mais empregos, apenas coisas a serem feitas e pessoas para fazê-las.

O segredo de transformar o trabalho em brincadeira, como Charles Fourier demonstrou, é agendar as atividades úteis para tirar vantagens das coisas que várias pessoas, em vários momentos, de fato gostam de fazer. Para que seja possível que algumas pessoas façam coisas de que poderiam gostar, será suficiente erradicar as irracionalidades e distorções que sobrecarregam tais atividades quando elas são reduzidas a trabalho. Eu, por exemplo, gostaria de dar algumas (não muitas) aulas, mas não quero estudantes forçados e não estou afim de bajular pedantes patéticos por uma cadeira.

Segundo, há coisas que as pessoas gostam de fazer de vez em quando, mas não por muito tempo, e certamente não o tempo todo. Você pode até gostar de cuidar de crianças por algum tempo para curtir a companhia delas, mas não tanto tempo quanto os pais. Os pais, por sua vez, ficariam profundamente gratos pelo tempo livre que você lhes proporcionaria, embora possam ficar nervosos se passarem tempo demais longe de seus rebentos. Essas diferenças entre indivíduos são o que torna possível uma vida de brincadeiras livres. O mesmo princípio se aplica a muitas outras áreas de atividade, especialmente as mais primitivas. Assim, muita gente gosta de cozinhar quando pode fazer isso a sério e a seu bel-prazer, mas não quando está apenas abastecendo corpos humanos para o trabalho.

Terceiro — se tudo o mais estiver de acordo — certas coisas que são insatisfatórias se você as faz sozinho, em ambientes desagradáveis, ou sob o comando de um superior, são prazerosas, ao menos por algum tempo, quando tais circunstâncias mudam. Isso provavelmente se aplica, em alguma medida, a qualquer trabalho. As pessoas usam sua genialidade tão desperdiçada para transformar em jogo as tarefas menos convidativas da melhor forma que podem. Atividades que atraem alguns nem sempre atraem todos os outros, mas todos, ao menos potencialmente, têm uma variedade de interesses e um interesse pela variedade. Como diz o ditado, “tudo pelo menos uma vez”. Fourier era mestre em especular sobre como pendores aberrantes e perversos poderiam se tornar úteis em sociedades pós-civilizadas, no que ele chamava de Harmonia. Ele achava que o ditador Nero teria sido um bom sujeito se, quando criança, pudesse ter extravasado seu gosto pela carnificina trabalhando num abatedouro. Crianças que notoriamente adoram rolar na sujeira poderiam ser organizadas em “pequenas hordas” para limpar banheiros e esvaziar o lixo, com medalhas para quem se destacasse. Não estou defendendo exatamente esses exemplos, mas o princípio subjacente, que para mim faz todo o sentido como dimensão de uma transformação revolucionária geral. Tenha em mente que não precisamos pegar o trabalho que existe hoje, tal como é, e associá-lo às pessoas adequadas, algumas das quais teriam que ser de fato perversas.

Se a tecnologia tem um papel em tudo isso, é menos o de automatizar o trabalho até fazê-lo desaparecer e mais o de abrir novos campos para “recriação”. Até certo ponto, podemos querer retroceder ao artesanato, o que William Morris considera um provável e desejável efeito da revolução comunista. A arte seria tirada das mãos dos esnobes e colecionadores, abolida como departamento especializado que atende a um público de elite, e suas qualidades de beleza e criação seriam devolvidas à vida integral, da qual foram roubadas pelo trabalho. É esclarecedor pensar que as urnas gregas que inspiram odes e que exibimos em museus foram usadas, em sua época, para armazenar azeite. Duvido que nossos artefatos do dia a dia se saiam tão bem no futuro, se ele chegar a existir. A questão é que não existe progresso no mundo do trabalho; na verdade é o contrário. Não deveríamos hesitar em furtar o passado no que ele tem a oferecer: os antigos nada perdem, e nós enriquecemos.

A reinvenção do cotidiano significa marchar para além dos limites dos nossos mapas. Existe, é verdade, mais especulação sugestiva do que a maioria imagina. Além de Fourier e Morris — e até sugestões, aqui e ali, em Marx — há os textos de Kropotkin, dos sindicalistas Pataud e Pouget, dos velhos (Berkman) e novos (Bookchin) anarco-comunistas. Communitas, dos irmãos Goodman, é exemplar para ilustrar as formas que decorrem de funções específicas (propósitos), e há algo a ser aproveitado nos arautos muitas vezes nebulosos da tecnologia alternativa/‌adequada/‌intermediária/‌de convívio, como Schumacher, e especialmente Illich, depois que desligamos suas máquinas de fumaça. Os situacionistas — representados em A Arte de Viver para as Novas Gerações, de Vaneigem, e na Internacional Situacionista — Antologia — são tão impiedosamente lúcidos que chegam a entusiasmar, embora nunca tenham condicionado o apoio às regras dos conselhos de trabalhadores e à abolição do trabalho. Melhor a incongruência deles, entretanto, do que qualquer versão existente de esquerdismo, cujos devotos pretendem ser os últimos campeões do trabalho, já que sem trabalho não haveria trabalhadores e, sem trabalhadores, quem restaria para a esquerda se organizar?

Portanto, os abolicionistas estarão praticamente por conta própria. Ninguém pode dizer no que resultará liberar a energia criativa embotada pelo trabalho. Tudo pode acontecer. O cansativo problema do debate entre liberdade e necessidade, com suas nuances teológicas, resolve-se na prática quando a produção de valores de uso é coextensiva à fruição de atividades lúdicas deliciosas.

A vida se tornará um jogo, ou melhor, muitos jogos, mas não um jogo de soma zero9 como é agora. Um encontro sexual bem-sucedido é o paradigma da atividade produtiva. Os participantes potencializam os prazeres um do outro, ninguém faz pontos e todos ganham. Quanto mais você dá, mais você recebe. Na vida lúdica, o melhor do sexo vai se diluir na melhor parte do cotidiano. A brincadeira generalizada leva à libidinização da vida. O sexo, por sua vez, poderá se tornar menos urgente e desesperado, e mais lúdico. Se jogarmos as cartas certas, todos poderemos obter mais da vida do que colocamos nela; mas só se jogarmos para valer.

Proletários de todo o mundo… relaxem!

Este ensaio surgiu como discurso em 1980. Uma versão revista e ampliada foi publicada como panfleto em 1985 e na primeira edição de The Abolition of Work and Other Essays (A Abolição do Trabalho e Outros Ensaios, sem tradução para o português, Loompanics Unlimited, 1986). Ele também apareceu em muitos periódicos e antologias, entre eles traduções em francês, alemão, italiano, holandês e esloveno. Edição revista pelo autor para a Inspiracy Press.

Notas:
  1. N.E.: Quaalude é um dos nomes comerciais da metaqualona, substância utilizada como tranquilizante, de efeito sedativo e hipnótico. Seu uso como droga era bem difundido nos anos 60 e 70.
  2. N.E.: Parte ocidental da Nova Guiné, que está sob controle da Indonésia.
    Nota do blog: Irian e Irian Ocidental são os antigos nomes dados à Papua e à Papua Ocidental, respect.
  3. Nota do blog. Tradução alternativa: morreram de trabalhar … se matar de trabalhar.
  4. N.E.: Cidade nos EUA que foi contaminada por dioxina, uma substância tóxica, durante os anos 70, e teve que ser completamente evacuada em 1982.
  5. N.E.: Outra cidade norte-americana, sede de uma usina que sofreu um princípio de acidente nuclear em 1979.
  6. N.E.: Cidade da Índia que, em dezembro de 1984, foi contaminada por 40 toneladas de gases tóxicos, devido a um vazamento na fábrica de agrotóxicos norte-americana Union Carbide Corporation. O episódio, que matou quase 30 mil pessoas e feriu meio milhão, é considerado o pior acidente industrial da história.
  7. N.E.: Automóveis do início do século XX. O Stanley Steamer foi um dos últimos modelos movidos a vapor e o Modelo T foi o primeiro automóvel produzido em série por John Ford.
  8. N.E.: “Shadow Work”, no original. Título de um livro de Ivan Illich de 1981.
  9. Nota do blog: Em Teoria dos Jogos, um jogo de soma zero é aquele em que a soma das pontuações de todos os jogadores é zero, de modo que os ganhos de alguns jogadores se refletem em prejuízos para outros.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Fora, Temer e Cunha!

(Desculpe-me o leitor por não ter escrito um artigo tão grande e com tantos argumentos quanto o Fora, Dilma!, mas a razão é que não há tão bons argumentos contra o impeachment de Temer e Cunha quanto contra o impeachment de Dilma.)

Este artigo pode ser entendido como uma continuação ao artigo interno Fora, Dilma!, no qual eu defendi o processo de impedimento da presidente da república como meio de reforma ética/moral. Faltou deixar claro, naquele mesmo artigo, que o principal erro da presidente foi adotar, de forma errada, políticas para o suposto crescimento econômico, refletidas no famoso slogan de governo “País rico é país sem pobreza”, mas que só afundaram mais o país em crise. Pouco entendo de Ciências Econômicas, mas dado que a presidente é formada nesta área, acredito ser pouco provável que ela não entendesse as consequências de sua política. Mais ainda, lembremos das evidências de maquiagem nas estatísticas do IBGE. [1] [2] [3] [4] Dadas estas contradições, concluímos que as intenções da presidente por trás dessas políticas ineficientes eram demagogia e propaganda eleitoral.

Por outro lado, algumas pessoas reclamaram comigo por eu não ter criticado igualmente o vice-presidente da república Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Elas estavam certas. Temer assinou quatro das “pedaladas fiscais” enquanto Dilma viajava. E Cunha possui conta não declarada no exterior recheada de dinheiro supostamente desviado. Ambos estão, portanto, envolvidos em escândalos de corrupção e merecem o impedimento. Aliás, já foram requeridos processos de impedimento contra Cunha e Temer na Câmara. O problema é que esses pedidos devem ser primeiramente analisados pelo próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha (o velho dilema de uma autoridade julgar a si mesma). Além disso, se apenas a Dilma sofrer impedimento, o cargo de presidente é ocupado por seu sucessor direto, i.e., o vice Temer. Em outras palavras, impedir apenas a Dilma é trocar seis por meia dúzia. E pode significar, de fato, como dizem os petistas, um golpe peemedebista.

A solução é exigir o impedimento de ambos, presidente e vice. Segundo a Constituição, no caso de dupla vacância destes cargos (i.e., quando ambos os cargos são liberados), deve-se fazer novas eleições para presidente. É particularmente conveniente para a população brasileira que a dupla vacância ocorra ainda este ano, caso em que as eleições são diretas. Se a dupla vacância ocorrer em 2017 ou 2018, as eleições pra presidente são indiretas, ou seja, quem vota é o Senado. Portanto, devemos ser ágeis se quisermos ter o direito de eleger o presidente.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Impostos e o antagonismo da instrução

A palavra imposto pouco nos diz na sua origem. É o particípio do verbo impor, o que evidencia o imposto como obrigação. Há um sinônimo, porém, mais significativo: tributo. Usada também em outras situações (p. ex., no meio artístico), esta palavra tem o sentido básico de “homenagem”, “mérito”. Mais usada na Antiguidade e na Idade Média, referia-se a uma “homenagem obrigatória” prestada ao soberano por governar a nação; um soberano tido como o único capaz de governar bem e visto para tanto como um deus ou o escolhido de um deus. O tributo surgiu antes mesmo do dinheiro, quando era pago por meio de sacrifícios e ofertas de alimentos. Depois da invenção da moeda, os sacrifícios e oferendas foram aos poucos sendo substituídos pelo dinheiro. Em algumas nações, também era pago um tributo aos sacerdotes; por exemplo, na antiga Israel, o povo pagava um dízimo ao Templo, “tradição” que se manteve no cristianismo. É importante observar que, até então, inexistiam os serviços públicos; serviços de saúde e educação eram muito precariamente prestados por sacerdotes e filósofos.

No final do séc. XVIII, o rei Luís XVI da França gastava todo o dinheiro dos impostos com a opulência da nobreza: roupas luxuosas, peças de ouro no palácio, pratos requintados… A nobreza e o clero não pagavam impostos, mas eram os únicos a usufruir deles. Enquanto isso, grande parte da população francesa passava fome e se revoltava (Revolução Francesa). O que fazer? Alguns intelectuais, os iluministas, apresentavam suas ideias. A primeira era acabar com os impostos, o que era praticamente impossível, pois fugia aos interesses do soberano. A segunda ideia, vitoriosa, foi a criação de serviços públicos pra suprir as necessidades da população e, principalmente, argumentar a exigência dos impostos. Esta foi a medida adotada por Napoleão Bonaparte após a revolução, no início do séc. XIX, justamente para evitar uma nova revolução. Foi a partir daí que surgiu a ideia de que o Estado precisa prestar serviços à população e que, para tanto, a população deve pagar seus impostos ao Estado. Na prática, porém, permanece na mentalidade dos políticos a ideia dos impostos como mérito deles, o que se evidencia pelos frequentes desvios de verbas.

Pouco tempo mais tarde, um dos serviços públicos criado pelo Estado (especificamente Prússia) foi a educação. Esta objetivava principalmente a formação da cidadania (i.e., a obediência ao Estado) e de profissionais qualificados pra trabalharem nas indústrias. A população foi se tornando cada vez mais instruída. Como efeito colateral indesejado, os cidadãos têm se tornado cada vez mais conscientes politicamente. Assim têm se tornado mais aptos a lutar por seus direitos e pelos interesses coletivos. Isso se mostrou um problema pro Estado, que ele agora tenta solucionar através da opressão antecipada: oprimir rapidamente a população, antes que ela possa reagir ou se manifestar, fortalecendo assim a imagem do Estado, que acaba parecendo imbatível.


Recomendo a leitura do artigo A criação do ensino obrigatório. Só peca pela tradução de Realschule, que quer dizer escola real ou escola da realeza, não verdadeira escola. Não pude confirmar se o sistema Volkshoch‑/​Realschule continua existindo na Alemanha, como também não sei se o ensino doméstico é permitido aqui no Brasil.

As crianças não são animais de estimação para serem domesticadas; não são barro para moldar, não são computadores para programar e, acima de tudo, não são vasos para se encher.
Alfie Khon

domingo, 20 de março de 2016

Fora, Dilma!

Os últimos fatos da política têm movimentado todo o país, pelo impeachment de Dilma, pela investigação da Lava-Jato e punição dos envolvidos, pela reclusão do Lula, contra o aumento dos impostos, mas, principalmente, contra a corrupção. Uma parcela menor, mas não pequena, os “pró-Dilma” têm reagido contra as manifestações.

Quem são os pró-Dilma?

Numa primeira resposta, são os petistas. Mas quem são estes? Em parte muito menor, são pessoas alienadas que aderiram ao partido seja por acreditarem nas promessas do partido, seja por não terem gostado do governo FHC. A paixão é sempre perigosa, pois, como se diz, o amor é cego. Uma pessoa que adere a um partido e passa a defendê-lo, cometerá o erro de defendê-lo sempre, não importa a conduta de seus membros. Defender partido, qualquer partido, é sempre um erro.

Já em sua maioria, os petistas são sindicalistas. Defendem os direitos trabalhistas e os sindicatos, e creem que o PT é o partido que melhor representa esta causa. Dentre os petistas sindicalistas, a maioria é comunista/socialista. De fato, o PT sempre tirou proveito de uma imagem comunista. Apesar de nunca ter se declarado pública e explicitamente como tal, é declaradamente sindicalista, utiliza símbolos que remetem ao comunismo, como a estrela vermelha, símbolo da revolução guevarista, e tem demonstrado apoio a líderes de nações comunistas da América Latina, como Fidel Castro (Cuba), Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia).

Vemos, inclusive, manifestações de apoio ao PT da parte de grupos socialistas, como a UJS (União da Juventude Socialista), grupo que tem por fim alienar adolescentes, que são naturalmente mais vulneráveis, razão por que se criar um grupo só para jovens. Esta imagem, porém, entra em contradição com os casos de corrupção de membros do partido, pois a corrupção dificulta a distribuição de renda, uma das causas comunistas. Isto evidencia os gestos aparentemente comunistas do PT como pura demagogia.

Não vai ter golpe… de quem?

O PT tem dado seu grito de guerra: “Não vai ter golpe!” Mas de quem seria o golpe? Dizem os petistas que é do PMDB. Afinal, o vice-presidente é peemedebista. Mas, com o impeachment, talvez a presidência não seja cedida a ele. E, de fato, não só o PMDB e sua base aliada demonstram querer o impeachment de Dilma, mas muitos outros partidos. Precisamente todos os partidos, exceto o PT e sua base aliada. Além disso, a maioria da população também tem exigido o impeachment. Seria um golpe popular? Não, pois o povo não tomaria o poder.

Por outro lado, vemos a presidente nomear o ex-presidente ministro chefe da Casa Civil, o segundo cargo mais importante de nosso sistema político. Com isso, os dois cargos mais importantes passariam a ser ocupados por petistas. Vemos então uma tentativa de golpe de Estado por parte do PT, principalmente se combinarmos estas informações com a delação de Delcídio antes da nomeação de Lula ministro, segundo a qual Dilma teria “rearranjado” o STF, nomeando ministros “simpáticos à causa”. E não seria exagero supor que as próximas etapas deste golpe seriam abranger o poder petista aos demais cargos políticos e garantir a permanência do PT no poder, em semelhança aos golpes aplicados em Cuba e na Venezuela, países, como já mencionado, apoiados pelo PT.

Crise ruim, crise boa

Sabemos que estamos passando por uma crise econômica. O governo fala ainda numa crise política, e que esta é pior até do que a econômica. Pois é bem o contrário. Vivemos, sim, uma crise política, mas, diferente da econômica, esta pode ser muito boa para o nosso país, em particular para a economia.

Observamos, primeiramente, que a crise política é resultado dos pedidos de impeachment e da operação Lava-Jato, que, por sua vez, foram motivados pela crise econômica. Crise econômica é inevitável no sistema capitalista, mas pode ser atenuada e seu agravamento pode ser evitado, com as devidas políticas. Um dos fatos que agravam uma crise econômica é a corrupção política, especificamente a retirada de recursos para contas não declaradas no exterior. Por isso as manifestações recentes contra a corrupção, evidência da conscientização política que o brasileiro tem tomado.

O governo tem reclamado que a crise política pode causar imobilização do governo, o que dificulta políticas que possam atenuar a crise. Mas é esta, em parte, a intenção das manifestações. Toda mudança relevante ou reforma, seja política, econômica ou, neste caso, ética/moral, tem por prelúdio uma crise. É o que chamamos de revolução. Neste caso, uma revolução popular. Isto acontece porque uma característica comum a todo sistema político é a ordem ou controle. É isto que dificulta qualquer reforma num sistema político, que nunca abre mão para mudanças. Esta característica se reforça com a estabilidade das instituições políticas; pois estabilidade é sinônimo de força. Portanto, só é possível uma reforma através da desestabilização, enfraquecimento das instituições políticas. Ou seja, é necessária a crise política para se conquistar qualquer reforma, mesmo a reforma ética ou moral.

Por outro lado, vemos que não procede o argumento de que a imobilização do governo impediria políticas pela atenuação da crise econômica. Como mencionado, a corrupção do governo agrava a crise, e medidas tomadas para “atenuá-la”, como o aumento dos impostos, só prometem agravá-la ainda mais, segundo opinião de especialistas. Assim a insistência dos governos em aumentar os impostos só pode ser explicada como mais uma forma de corrupção, uma tentativa de aumentar a renda para dela desviar mais verba. Portanto o governo é o principal responsável pelo agravamento da crise econômica, e sua imobilização é o que, ironicamente, promete acabar com a crise.

Por fim, concluímos que, além de maior conscientização política do povo brasileiro ao compreender as causas principais do agravamento da crise econômica, há também um raciocínio de longo prazo. Entende-se que, apesar de não resolver a crise econômica atual, o conjunto das exigências feitas pelos manifestantes causará receio aos políticos, que pensarão duas vezes antes de desviar recursos, reduzirá a corrupção e, como última consequência, evitará o agravamento de crises futuras, que certamente virão.

sábado, 18 de julho de 2015

Instituições especiais

Grave problema que temos no estado e no município do Rio de Janeiro e que tem que acabar são as instituições especiais. Trata-se de organizações governamentais que, com base na subjetividade dialética, são criadas para fins que não lhe competem. São uma forma de autoritarismo, pois dão a órgãos do governo poderes que eles não deveriam deter, aumentando o poder de ação do governo sobre e contra a população indefesa. Já temos cinco casos notáveis no estado e no município.

O mais clássico e bem conhecido é o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM). É dito especial pela sua função específica: acabar com as facções criminosas, o que, de fato, compete à PM. Porém o BOPE é muito mais especial por outra razão: suas táticas. Estas frequentemente colocam em risco a população de áreas dominadas por facções, o que contradiz a função de segurança da polícia.

Outro caso é o CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil). Esta age em casos considerados atos terroristas, e tem sido usada contra as facções criminosas, que são, de fato, terroristas, tanto quanto o BOPE. Porém, proteger a população de terroristas já é função da PM.

No município, temos a SEOP (Secretaria Municipal de Ordem Pública) que, quando criada, chamava-se Secretaria Especial da Ordem Pública. A princípio, a ordem já é função da polícia, e a SEOP não coordena nem tem função semelhante à da polícia. Em mais um recurso dialético, a prefeitura se utiliza de outro conceito de “ordem” para atribuir à SEOP função diferente da da polícia: higienização (estética urbana).

Com função semelhante à da SEOP, e frequentemente trabalhando em conjunto com ela, há o GOE-GM (Grupamento de Operações Especiais da Guarda Municipal). Enquanto os outros grupamentos têm funções claras e intimamente relacionadas com a função geral da Guarda Municipal de “proteger bens, serviços e instalações municipais”, o GOE tem se focado em tarefas de higienização e opressões políticas.

Por fim, a Lapa Presente, operação da Polícia Civil, é também uma instituição especial, pois tem função própria da PM. Ela foi criada para fazer presença (i.e., demonstrar funcionalidade) diante dos turistas. Por isso foi escolhida a Polícia Civil para esta tarefa; caso contrário, os turistas certamente se assustariam com a truculência de nossa PM.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

O que Jesus diz…

Eis o que Jesus e os apóstolos dizem, através do Novo Testamento, sobre as Igrejas de ontem e de hoje e seus dogmas. Os trechos são tirados da NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje).

Sobre a preservação do corpo

“Se uma de suas mãos ou um de seus pés faz com que você peque, corte-o e jogue fora! Pois é melhor você entrar na vida eterna sem uma das mãos ou sem um dos pés do que ter as duas mãos e os dois pés e ser jogado no fogo eterno. Se um dos seus olhos faz com que você peque, arranque-o e jogue fora! Pois é melhor você entrar na vida eterna com um olho só do que ter os dois e ser jogado no fogo do inferno.” (Mt 18:8‒9; análogos Mt 5:29‒30; Mc 9:43‒48)

Sobre as pregações públicas

“Tenham o cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público a fim de serem vistos pelos outros. Se vocês agirem assim, não receberão nenhuma recompensa do Pai de vocês, que está no céu.” (Mt 6:1)

Sobre as ações sociais

“Quando você der alguma coisa a uma pessoa necessitada, não fique contando o que fez, como os hipócritas fazem nas sinagogas e nas ruas. Eles fazem isso para serem elogiados pelos outros. (…) Mas você, quando ajudar alguma pessoa necessitada, faça isso de tal modo que nem mesmo o seu amigo mais íntimo fique sabendo do que você fez. Isso deve ficar em segredo; e o seu Pai, que vê o que você faz em segredo, lhe dará a recompensa.” (Mt 6:2a‒b,3‒4)

Sobre o costume de orar de pé nas igrejas

“Quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos outros. (…) Mas você, quando orar, vá para o seu quarto, feche a porta e ore ao seu Pai, que não pode ser visto. E o seu Pai, que vê o que você faz em segredo, lhe dará a recompensa.” (Mt 6:5a‒b,6)

Sobre as ladainhas e palavras de louvor durante as orações

“Nas suas orações, não fiquem repetindo o que vocês já disseram, como fazem os pagãos. Eles pensam que Deus os ouvirá porque fazem orações compridas.” (Mt 6:7)

Sobre as ladainhas e o dízimo

“Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês exploram as viúvas e roubam os seus bens e, para disfarçarem, fazem longas orações! Por isso o castigo de vocês será pior!” (Mt 23:14; análogos Mc 12:40; Lc 20:47)

Sobre o dízimo e o enriquecimento das Igrejas

“Um escravo não pode servir a dois donos ao mesmo tempo, pois vai rejeitar um e preferir o outro; ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e também servir ao dinheiro.” (Mt 6:24)

“Quando Jesus estava saindo do pátio do Templo, um discípulo disse:

— Mestre, veja que pedras e edifícios impressionantes!

Jesus respondeu:

— Você está vendo estes enormes edifícios? Pois aqui não ficará uma pedra em cima da outra; tudo será destruído!” (Mc 13:1‒2; análogo Mt 24:1‒2)

“Ele lhes disse:

— Nas Escrituras Sagradas está escrito que Deus disse o seguinte: ‘A minha casa será chamada de “Casa de Oração”.’ Mas vocês a transformaram num esconderijo de ladrões!” (Mt 21:13; análogo Mc 11:17)

Sobre o trabalho

“Então Jesus disse aos seus discípulos:

— É por isso que eu digo a vocês: não se preocupem com a comida que precisam para viver nem com a roupa que precisam para se vestir. Pois a vida é mais importante do que a comida, e o corpo é mais importante do que as roupas. Vejam os corvos: não semeiam, não colhem, não têm despensas nem depósitos, mas Deus dá de comer a eles. Será que vocês não valem muito mais do que os pássaros? Qual de vocês pode encompridar a sua vida, por mais que se preocupe com isso? Portanto, se vocês não podem conseguir uma coisa assim tão pequena, por que se preocupam com as outras? Vejam como crescem as flores do campo: elas não trabalham, nem fazem roupas para si mesmas. Mas eu afirmo a vocês que nem mesmo Salomão, sendo tão rico, usava roupas tão bonitas como uma dessas flores. É Deus quem veste a erva do campo, que hoje está aqui e amanhã desaparece, queimada no forno. Então é claro que ele vestirá também vocês, que têm uma fé tão pequena! Portanto, não fiquem aflitos, procurando sempre o que comer ou o que beber. Pois os pagãos deste mundo é que estão sempre procurando todas essas coisas. O Pai de vocês sabe que vocês precisam de tudo isso. Portanto, ponham em primeiro lugar na sua vida o Reino de Deus, e Deus lhes dará todas essas coisas.” (Lc 12:22‒31; análogo Mt 6:25‒34)

“Irmãos, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo, ordenamos a vocês que se afastem de todos os irmãos que vivem sem trabalhar e que não seguem os ensinamentos que demos a eles. Vocês sabem muito bem que devem seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido entre vocês sem trabalhar. Não temos recebido nada de ninguém, sem pagar; na verdade trabalhamos e nos cansamos. Trabalhamos sem parar, dia e noite, a fim de não sermos um peso para nenhum de vocês. É claro que temos o direito de receber sustento; mas não temos pedido nada a fim de que vocês seguissem o nosso exemplo. Porque, quando estávamos aí, demos esta regra: ‘Quem não quer trabalhar que não coma.’” (2Ts 3:6‒10)

Sobre métodos próprios de algumas Igrejas

“Não é toda pessoa que me chama de ‘Senhor, Senhor’ que entrará no Reino do Céu, mas somente quem faz a vontade do meu Pai, que está no céu. Quando aquele dia chegar, muitas pessoas vão me dizer: ‘Senhor, Senhor, pelo poder do seu nome anunciamos a mensagem de Deus e pelo seu nome expulsamos demônios e fizemos muitos milagres!’ Então eu direi claramente a essas pessoas: ‘Eu nunca conheci vocês! Afastem-se de mim, vocês que só fazem o mal!’” (Mt 7:21‒23)

“Pois alguns homens que não temem a Deus entraram no meio da nossa gente sem serem notados. Eles torcem a mensagem a respeito da graça do nosso Deus a fim de arranjar uma desculpa para a sua vida imoral.” (Jd 4a‒b)

Sobre a família

“Quando Jesus ainda estava falando ao povo, a mãe e os irmãos dele chegaram. Ficaram do lado de fora e pediram para falar com ele. Então alguém disse a Jesus:

— Escute! A sua mãe e os seus irmãos estão lá fora e querem falar com o senhor.

Jesus perguntou:

— Quem é a minha mãe? E quem são os meus irmãos?

Então apontou para os seus discípulos e disse:

— Vejam! Aqui estão a minha mãe e os meus irmãos. Pois quem faz a vontade do meu Pai, que está no céu, é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (Mt 12:46‒50; análogos Mc 3:31‒35; Lc 8:19‒21)

“E aqui na terra não chamem ninguém de pai porque vocês têm somente um Pai, que está no céu.” (Mt 23:9)

“Quem quiser me acompanhar não pode ser meu seguidor se não me amar mais do que ama o seu pai, a sua mãe, a sua esposa, os seus filhos, os seus irmãos, as suas irmãs e até a si mesmo.” (Lc 14:26)

“E todos os que, por minha causa, deixarem casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou terras receberão cem vezes mais e também a vida eterna.” (Mt 19:29; análogos Mc 10:29‒30; Lc 18:29‒30)

“Outro homem disse:

— Eu seguirei o senhor, mas primeiro deixe que eu vá me despedir da minha família.

Jesus respondeu:

— Quem começa a arar a terra e olha para trás não serve para o Reino de Deus.” (Lc 9:61‒62)

“Não pensem que eu vim trazer paz ao mundo. Não vim trazer a paz, mas a espada. Eu vim para pôr os filhos contra os pais, as filhas contra as mães e as noras contra as sogras. E assim os piores inimigos de uma pessoa serão os seus próprios parentes.” (Mt 10:34‒36; análogo Lc 12:51‒53)

“Vocês serão entregues às autoridades pelos seus próprios pais, irmãos, parentes e amigos, e alguns de vocês serão mortos.” (Lc 21:16)

“Muitos entregarão os seus próprios irmãos para serem mortos, e os pais entregarão os filhos. E os filhos ficarão contra os pais e os matarão.” (Mc 13:12)

Sobre os dogmas

“Deus disse:
Este povo com a sua boca diz que me respeita,
mas na verdade o seu coração está longe de mim.
A adoração deste povo é inútil,
pois eles ensinam leis humanas como se fossem meus mandamentos.”
(Mt 15:8‒9; análogo Mc 7:6‒7)

Sobre a conversão religiosa

“Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês atravessam os mares e viajam por todas as terras a fim de procurar converter uma pessoa para a sua religião. E, quando conseguem, tornam essa pessoa duas vezes mais merecedora do inferno do que vocês mesmos.” (Mt 23:15)

Sobre a misericórdia divina

“Mas um homem chamado Ananias, casado com uma mulher que se chamava Safira, vendeu um terreno e só entregou uma parte do dinheiro aos apóstolos, ficando com o resto. E Safira sabia disso. Então Pedro disse a Ananias:

— Por que você deixou Satanás dominar o seu coração? Por que mentiu para o Espírito Santo? Por que você ficou com uma parte do dinheiro que recebeu pela venda daquele terreno? Antes de você vendê-lo, ele era seu; e, depois de vender, o dinheiro também era seu. Então por que resolveu fazer isso? Você não mentiu para seres humanos — mentiu para Deus!

Assim que ouviu isso, Ananias caiu morto; e todos os que souberam do que havia acontecido ficaram com muito medo. Então vieram alguns moços, cobriram o corpo de Ananias, levaram para fora e o sepultaram.

A mulher de Ananias chegou umas três horas depois, sem saber do que havia acontecido com o marido. Aí Pedro perguntou a ela:

— Me diga! Foi por este preço que você e o seu marido venderam o terreno?

— Foi! — respondeu ela.

Então Pedro disse:

— Por que você e o seu marido resolveram pôr à prova o Espírito do Senhor? Os moços que acabaram de sepultar o seu marido já estão lá na porta e agora vão levar você também.

No mesmo instante ela caiu morta aos pés de Pedro. Os moços entraram e, vendo que ela estava morta, levaram o corpo dela e o sepultaram ao lado do marido. E toda a igreja e todos aqueles que souberam disso ficaram apavorados.” (At 5:1‒11)

“E tomem cuidado também para que ninguém se torne imoral ou perca o respeito pelas coisas sagradas, como Esaú, que, por causa de um prato de comida, vendeu os seus direitos de filho mais velho. Como vocês sabem, depois ele quis receber a bênção do seu pai. Mas foi rejeitado porque não encontrou um modo de mudar o que havia feito, embora procurasse fazer isso até mesmo com lágrimas.” (Hb 12:16‒17)

Sobre o paganismo e o sincretismo

“Então Paulo ficou de pé diante deles, na reunião da Câmara Municipal, e disse:

— Atenienses! Vejo que em todas as coisas vocês são muito religiosos. De fato, quando eu estava andando pela cidade e olhava os lugares onde vocês adoram os seus deuses, encontrei um altar em que está escrito: ‘Ao Deus Desconhecido’. Pois esse Deus que vocês adoram sem conhecer é justamente aquele que eu estou anunciando a vocês.” (At 17:22‒23)

Sobre a sanidade na fé

“Quando Paulo estava se defendendo assim, Festo gritou:

— Paulo, você está louco! Estudou tanto, que acabou perdendo o juízo!” (At 26:24)

Sobre o preconceito ao credo

“Não se juntem com descrentes para trabalhar com eles. Pois como é que o certo pode ter alguma coisa a ver com o errado? Como é que a luz e a escuridão podem viver juntas? Como podem Cristo e o Diabo estar de acordo? O que é que um cristão e um descrente têm em comum?” (2Co 6:14‒15)

Sobre a escravidão

“Escravos, obedeçam com medo e respeito àqueles que são seus donos aqui na terra. E façam isso com sinceridade, como se estivessem servindo a Cristo. Não obedeçam aos seus donos só quando eles estiverem vendo vocês, somente para conseguir a aprovação deles. Mas, como escravos de Cristo, façam de todo o coração o que Deus quer. Trabalhem com prazer, como se vocês estivessem trabalhando para o Senhor e não para pessoas. Lembrem que cada pessoa, seja escrava ou livre, será recompensada pelo Senhor de acordo com o que fizer.” (Ef 6:5‒8; análogo Cl 3:22‒24)

“Aqueles que são escravos devem tratar o seu dono com todo o respeito, para que ninguém fale mal do nome de Deus e dos nossos ensinamentos. E os escravos que têm dono cristão não devem perder o respeito por ele por ser seu irmão na fé. Pelo contrário, devem trabalhar para ele melhor ainda, pois o dono, que recebe os seus serviços, é cristão e irmão amado.” (1Tm 6:1‒2b)

“Vocês, empregados, sejam obedientes aos seus patrões e os respeitem, não somente os que são bons e compreensivos, mas também aqueles que os tratam mal.” (1Pd 2:18)

Sobre as mulheres e a misoginia

“Não procure ficar bonita usando enfeites, penteados exagerados, jóias ou vestidos caros. Pelo contrário, a beleza de você deve estar no coração, pois ela não se perde; ela é a beleza de um espírito calmo e delicado, que tem muito valor para Deus. Porque era assim que costumavam se enfeitar as mulheres do passado, as mulheres que eram dedicadas a Deus e que punham a sua esperança nele. Elas eram obedientes ao seu marido. Sara foi assim; ela obedecia a Abraão e o chamava de ‘meu senhor’. Você será agora sua filha se praticar o bem e não tiver medo de nada.” (1Pd 3:3‒6)

“As mulheres devem aprender em silêncio e com toda a humildade. Não permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os homens; elas devem ficar em silêncio. Pois Adão foi criado primeiro, e depois Eva. E não foi Adão quem foi enganado; a mulher é que foi enganada e desobedeceu à lei de Deus. Mas a mulher será salva tendo filhos se ela, com pureza, continuar na fé, no amor e na dedicação a Deus.” (1Tm 2:11‒15)

Jesus no monte das Oliveiras

(Baseado em Lucas 22:39‒46.)

Em mais um dia, como de costume, Jesus sobe o monte das Oliveiras com seus doze apóstolos pra orar. Jesus, como sempre, à frente dos apóstolos. Jesus se ajoelha e, poucos metros atrás, os apóstolos fazem o mesmo. Então todos começam suas orações. Em dado momento, de olhos fechados, Jesus tem uma visão. Ele vê um cálice se aproximar dele, na altura do peito. Ele olha pra dentro do cálice, e o cálice continha vinho. Como que na superfície do vinho, ele vê as cenas do que viria a acontecer com ele: do diabo nele incorporado falando aos apóstolos e a Judas em particular, da traição de Judas, da negação por parte de Pedro, da condenação, da crucificação, da morte. O vinho dentro do cálice simbolizava todo esse sofrimento pelo qual Jesus passaria.

Toda essa visão se passa em segundos, se não numa fração do segundo. Apavorado e em prantos, Jesus grita: “Pai, afasta de mim este cálice!” A bíblia diz literalmente que Jesus, nessa hora, chorou lágrimas de sangue, ou que seu suor era como gotas de sangue. Apesar de a ciência provar que isto é possível, as lágrimas de sangue são, neste caso, uma metáfora pro sofrimento profundo contido nas lágrimas de Jesus. Por fim, um anjo é enviado por deus pra consolar Jesus. Um dos apóstolos consegue ver o anjo. O anjo se ajoelha ao lado de Jesus, de frente pra ele, e o envolve com suas asas, consolando-o.

Agressão × agressividade

Em busca de um título conciso, talvez eu não tenha escolhido as melhores palavras. Mas, por agressividade, refiro-me a uma personalidade agressiva. Há muito preconceito com relação aos que têm uma personalidade agressiva. O fato de uma pessoa ter uma personalidade assim não significa que ela seja propensa a cometer agressões com frequência. Penso até mesmo que a personalidade agressiva seja uma questão de natureza própria; assim a pessoa teria uma natureza agressiva.

Por exemplo, lutadores profissionais têm todos uma personalidade agressiva. Mas isto não quer dizer que eles batam indisciplinadamente nas pessoas, com a intenção de ferí-las. Muito pelo contrário, costumam lutar apenas por esporte, junto a pessoas que também lutam por esporte. Lutar não é errado. Errado é agredir, bater com a intenção de ofender, machucar, ferir pessoas que não queiram receber este tipo de agressão.

Quando se reprime uma pessoa de natureza agressiva, o risco de ela vir a se tornar realmente violenta é muito maior. É como se a repressão provocasse um acúmulo, no campo emocional do indivíduo, de toda a agressividade não expressa, o que pode culminar numa explosão emocional de violência e um final infeliz. Portanto, a melhor decisão a se tomar com relação a uma pessoa de natureza agressiva é, por estranho que possa parecer, estimular sua agressividade. Isto permite que o indivíduo extravase sua natureza agressiva e evita que ele se torne violento por repressão.

O estímulo da agressividade pode ser feito, por exemplo, através da brincadeira vigiada. Deixar crianças e jovens brincarem de luta (“brincar de briga”) não é um problema, desde que haja a vigilância de um adulto. Deve-se vigiar sem proibir. Outra forma de estímulo é o aprendizado e competição de lutas profissionais. O estímulo permite ainda o direcionamento da agressividade, o que provê maior controle emocional (o indivíduo se torna menos propenso a agredir durante ataques de raiva) e o controle na aplicação dos golpes (os golpes são aplicados de modo a não provocarem mortes ou ferimentos graves). Com isto, o indivíduo tende a lutar apenas por esporte ou por defesa (pessoal ou não).


Outra característica muito confundida é a expressividade forte (geniosidade). Algumas pessoas discutem como se, na mentalidade alheia, estivessem a ponto de agredir. Podemos tomar o exemplo dos italianos, que conversam com tamanha expressividade que, do ponto de vista de outros povos, parecem estar discutindo. E, assim, quando discutem de fato, podem parecer estar prestes a agredir. É um preconceito que pode prejudicar muito quem foi julgado equivocadamente. Mesmo que, a princípio, acarrete apenas a repressão, por parte da sociedade, desta personalidade, esta repressão pode resultar em problemas semelhantes àqueles observados em casos de repressão da personalidade agressiva.